Sawada VS Saito
A filosofia de Saito ecoa o mantra do chef Seiji Yamamoto, do Ryugin: ”Perfeição não é adicionar, é subtrair até sobrar apenas o essencial”.
A filosofia de Saito ecoa o mantra do chef Seiji Yamamoto, do Ryugin: ”Perfeição não é adicionar, é subtrair até sobrar apenas o essencial”.
O arroz do Saito é uma equação de subtração resolvida. O equilíbrio salgado é calculado para realçar o peixe, nunca competir com ele. Como é mantido a 38°C (temperatura próxima à da língua), há garantia de que o grão permaneça firme, mas jamais seco. Há um leve sopro de vinagre que não se nota sem bastante atenção: você sabe que está lá, mas não exatamente de onde vem. A textura é uniforme: com os poucos movimentos de pressão entre os dedos do itamae, o shari não cola, mas também não se desfaz. Ao contrário, é milimetricamente a mesma aerado. É uma base equilibrada, proposital — como um alicerce invisível. Por trás desse itamae que bebe durante todo o serviço, a comida servida é de uma sobriedade matemática. Um dos trabalhos mais incríveis que a gastronomia já foi capaz de me proporcionar.
O akami, cortado em fatias de 1,2 mm de espessura, é de morrer para nascer de novo. A carne, maturada por 10 dias embebida em algas, mantém um sabor umami, um mineral puro, sem traços de sangue. A textura é suave, quase vítrea, sem a aspereza de um corte menos preciso.
Quando coloco um sushi na boca e começo a mastigar, noto que o que mais importa no sushi é a formação do bolus: como o arroz e peixe se transformam em um alimento único na mastigação. No Saito, isso é calculado à exaustão: à primeira mordida, os grãos cedem sob pressão, mas não se desintegram. O arroz morno amolece o peixe, enquanto a pressão dental rompe sua fibra. O calor residual do arroz ativa enzimas salivares, que começam a quebrar os amidos, mas o vinagre traz lentidão a esse processo, prolongando a percepção dos sabores. Em peixes gordos, a gordura emulsifica com a água liberada pelo shari, formando uma pasta lisa e extremamente uniforme. Neste momento, o bolus atinge o equilíbrio: já não há grãos inteiros ou pedaços de peixe discerníveis. Apenas uma massa coesa.
O sushi aqui não é sobre surpresa, mas sobre equilíbrio e a certeza de que nada ali poderia ser diferente.
Eu imaginava que o Saito seria a melhor refeição de sushi do mundo. Até que fui ao Sawada. A reserva é muito difícil: elas abrem a conta-gotas em um site, sem avisar o momento em que abrirão. Não fui paranoico, visitei a página umas 5 ou 6 vezes. Dei sorte. Consegui uma vaga. E que sorte.
Sawada não sorri. Não explica. Não faz concessões. Não fala inglês. Não permite fotos. Seu balcão é um palco onde ele é o único ator, e os clientes, meros espectadores. Confesso que inicialmente me incomodou a forma irredutível como eles proíbem fotos. Faço conteúdo para internet, afinal. No fim da refeição, sem que eles tivessem que me explicar nada, entendi por quê. Prestei atenção a elementos da comida que não teria prestado se estivesse preocupado em tirar fotos.
Sawada não é sobre equilíbrio como Saito. É sobre intensidade e personalidade. Seu sushi é antes de mais nada uma provocação. O arroz dele não é para os fracos. Vinagre de ameixa vermelha e sal marinho criam um arroz que ataca a língua de forma virulenta, sem deixar de ser profundamente elegante. É ácido, morno e intenso. Em certo momento, no fim de uma mastigação, percebi que havia um único grãozinho no canto da boca, ainda não mastigado. Quando o mordi, senti a mesma intensidade cortante da acidez e da salinidade de quando comi o bolinho de arroz inteiro. Como ele fez isso? Sei lá. Parece pacto com o demônio.
Outras técnicas e intervenções são muito mais claras que no Saito: peixes perfeitamente maturados (lá a maturação funciona), curados em Koji, enguia defumada em serragem de cerejeira (se existisse um charuto umami, ele teria esse sabor).
Tudo aqui é brutal, emocionalmente impactante. É comida para quem já comeu de tudo e ainda assim quer se surpreender. Ao contrário do Saito, perfeição não é necessariamente o objetivo, mas a transformação: do peixe, do arroz, do comensal. Ele não quer que você goste. Ele quer que você se lembre. E inevitavelmente me lembrarei para sempre dessa refeição. Se Saito é uma sinfonia, Sawada é um improviso de Jazz: alto, ácido e inesquecível. Depois dele, qualquer outro sushi permanece mudo.
Saito: nota 9,5 - 1400 reais
Sawada: nota 10 - 1700 reais