Minha Crítica ao Oro

Quanto mais como no Brasil, mais tenho a sensação de que tudo é igual a tudo. Principalmente na área da defumação e da brasa, em que os excessos dominam, sequestram qualquer nuance do alimento. Para fazer cozinha na brasa, há que saber fazer.

6/23/20243 min read

Quanto mais como no Brasil, mais tenho a sensação de que tudo é igual a tudo. Principalmente na área da defumação e da brasa, em que os excessos dominam, sequestram qualquer nuance do alimento. Para fazer cozinha na brasa, há que saber fazer. Soma-se a isso o risco da perda de padrão de cocção. No Oro, restaurante carioca totalmente focado na brasa, houve erros, sim. Mas lá vivi um momento raro em que o trabalho com defumação foi feito com técnica, criatividade e foco no sabor dos produtos.

Na concepção de seus pratos, é possível notar uma mistura de razão e emoção. O primeiro prato, uma ostra fresca com sorbet de goiaba, pimenta biquinho e de cheiro é um exemplo notável disso. Foi pensada na emoção, já que é difícil encontrar lógica na combinação. Na boca, entretanto, não soa equivocada. A goiaba não rouba o caráter marinho da ostra, como seria previsto, mas apenas aporta aromas frutados a ela. Já as pimentas, bem colocadas, envolvem tudo aromaticamente, sem perfurar ou sobrepor os outros elementos. Um bonito cartão de boas-vindas.

Os snacks que se seguiram variavam entre:

a) conceitualmente interessantes (como o mate, purê de pistache, melão e peixe branco), que valiam mais pelo apelo à criatividade que pela pertinência da combinação em si).

b) equivocados (como o caju amigo, castanha de caju e vieiras, em que o dulçor das castanhas eliminava qualquer nuance da vieira ou o temaki de picanha, em que a defumação passou bastante do ponto)

c) excelentes (como o tomate em diversas versões, no qual doce, ácido, umami, defumação e picância se combinavam em diferentes texturas, de forma precisa na boca).

Somando acertos e revezes, o Oro tem bastante crédito: há mais acertos que erros no menu como um todo, sobretudo quando entram os principais. O prato de namorado, caldo de milho e purê de pamonha era excepcional: o caldo era limpo, profundo, com aromas claros de vegetais adocicados, mas sem perder seu caráter salino e umami. O peixe, mesmo no limite superior do cozimento, ainda era ótimo e se desprendia em lascas na boca. Um prato elegante e cerebral, mas sem perder o foco no sabor. Certamente o mais bem construído do menu.

Outro acerto em termos de sabor, embora sem a elegância do prato do namorado, foi o mini arroz com pupunha e kimchi. Com caldo concentrado, apimentado, umami, e arroz feito como um socarrat, o prato é um profundo tapa de aromas tostados e gostos variados, que mudam conforme a mastigação, com uma complexidade que está persistentemente estimulando os receptores de prazer do cérebro. Aqui há mais emoção, menos razão, e não há nada de errado com isso.

A sobremesa, que foi um elogio ao coco, era fresca, um pouco doce, mas com foco na refrescância e na diferença de texturas. Cumpriu bem o seu papel de finalizar uma refeição bastante prazerosa, na qual se sai feliz.

O que não merece menção honrosa foi a harmonização, que custou a funcionar. A 370 reais, a seleção em si já deixa a desejar: escolher vinhos convencionais como Alma Negra e tintos da Guaspari não me parece adequado, sobretudo em um restaurante cuja proposta é ser criativo e criar combinações inusitadas entre os elementos. Se a seleção de rótulos convencionais se justificasse com um pairing perfeito, vá lá. Mas também não foi o que ocorreu. A harmonização se equivocou mais do que acertou, mesmo apelando para rótulos previsíveis. No final, houve uma melhora do nível com as escolhas de tokaji e porto para harmonizar com as sobremesas de coco e chocolate, respectivamente.

Muitos dizem que menus degustação exageram. Para mim, ao contrário, o principal erro dos menus degustação no Brasil e no mundo são a atenuação. Atenuam-se sabores, gostos, picância, para chamar a atenção para texturas, pontos, padrões de cocção. A pior coisa que pode haver é um menu plano, focado em conceito e raso em sabor. No Oro, nada é atenuado. Mesmo quando erram, erram para mais, para o excesso, sem covardia ou concessões ao paladar comum. É o dulçor que domina, ou a defumação? Em alguns momentos, sim, mas nada é propriamente plano ali. E isso, por si só, é algo louvável. Trata-se de um menu em que se sai feliz.

Nota: muito bom
Preço: 690 reais o menu + 370 a harmonização.