Minha Crítica ao Bolo Aquarella

Parafraseando François Baudot, eu diria que o primeiro erro fatal da gastronomia é levar-se a sério demais. O segundo é não levar-se a sério o suficiente. O aparente paradoxo revela na verdade um equilíbrio fundamental da gastronomia: levá-la a sério demais significa torná-la muito rígida, com suas espumas e esferificações desnecessárias. Porém, não levá-la a sério o suficiente a vulgariza, banaliza, a torna genérica, sem identidade e, portanto, absolutamente desnecessária. É um pouco o que ocorre com o bolo Aquarella.

3/17/20251 min read

Parafraseando François Baudot, eu diria que o primeiro erro fatal da gastronomia é levar-se a sério demais. O segundo é não levar-se a sério o suficiente. O aparente paradoxo revela na verdade um equilíbrio fundamental da gastronomia: levá-la a sério demais significa torná-la muito rígida, com suas espumas e esferificações desnecessárias. Porém, não levá-la a sério o suficiente a vulgariza, banaliza, a torna genérica, sem identidade e, portanto, absolutamente desnecessária. É um pouco o que ocorre com o bolo Aquarella.

Até semana retrasada vivia normalmente sem nem saber que bolo era esse, nem quem seria a suposta celebridade que o fez entrar no hype. Pessoas próximas me anteciparam que ele estava “bombando” numa rede vizinha cuja navegação é incompreensível para mim, por conta da minha idade avançada e da minha falta de habilidade para dancinhas.

Meu amigo e bom interlocutor Carlos Alberto Dória sempre fez questão de diferenciar culinária de gastronomia. Culinária é ato da vida privada, com viés de subsistência, que fazemos no lar. A culinária não pressupõe crítica, pois sequer é comercializada.

Já a gastronomia é um discurso sobre a culinária, é a forma que alguém entende e reflete sobre a comida. Gastronomia é sempre pública e, sendo pública, demanda crítica.

O bolo da Aquarella é a culinária travestida de gastronomia. É a gourmetização do bolo da vó. Um produto absolutamente comum, daqueles caseiros mesmo, inclusive com as mesmas mediocridades que lhes são inerentes: a apresentação cafona cheia de confeitos coloridos, o brigadeiro de fervura rápida escorrendo, feito de Nescau e com uma proporção de leite condensado bem maior do que deveria, o que o deixa inaceitavelmente doce, a irregularidade da massa (seca no pedaço pequeno, aceitável quando pedimos o bolo inteiro), enfim, tão medíocre quanto qualquer bolo de qualquer avó brasileira.

O problema é quando se resolve cobrar 20 reais por um pedacinho de 50 gramas, ou 149 reais por um bolo inteiro. Aí entendemos que o bolo da Aquarella se leva a sério apenas no preço, não quando deveria entregar algo minimamente decente. Talvez minha avó faça algo parecido, mas não me entubaria 150 pratas.

Nota: 2/10.