Minha Crítica à Casa do Porco
Premiações são uma cilada. Erguem um pedestal tão alto que a queda se torna inevitável. Essa constatação me ocorre ao som de um modão saudosista, enquanto observo o ecossistema pulsante do centro de São Paulo. Estou na Casa do Porco, restaurante que coleciona troféus e elogios, e, ao me deparar com um salão abarrotado numa terça-feira às quatro e meia da tarde, sinto aquela ansiedade rasteira, a expectativa traiçoeira de quem aguarda um banquete à altura da reputação.
Premiações são uma cilada. Erguem um pedestal tão alto que a queda se torna inevitável. Essa constatação me ocorre ao som de um modão saudosista, enquanto observo o ecossistema pulsante do centro de São Paulo. Estou na Casa do Porco, restaurante que coleciona troféus e elogios, e, ao me deparar com um salão abarrotado numa terça-feira às quatro e meia da tarde, sinto aquela ansiedade rasteira, a expectativa traiçoeira de quem aguarda um banquete à altura da reputação. Todos sabemos que a casa começou muito bem, com menu verdadeiramente popular, criativo e a preços justos. Quando Jefferson Rueda saiu, a casa piorou muito. Agora, a volta dele justificou essa nova crítica. A ideia é ver se a casa retomou as glórias pregressas.
A primeira leva de snacks desembarca e, sinceramente, só um cuscuz minúsculo merece menção honrosa. O restante é um festival de texturas frouxas e sabores entediantes. O pão de torresmo cumpre seu papel, mas o ora-pro-nóbis que o acompanha parece mais decoração do que elemento essencial. A cachaça de São José do Rio Pardo se sobressai pela limpidez e toque vegetal, ainda que tenha sido servida fria demais. O caldinho de porco, que deveria trazer alma e profundidade, é uma nota morta, um eco vazio incapaz de aquecer qualquer estômago – e muito menos um espírito.
Segunda rodada de aperitivos. Um bolinho frito se salva: crocante, bem temperado, uma versão disfarçada de alheira. O resto? Salgado em excesso ou simplesmente desinteressante. O blend de brancas da Guatambu que acompanha os pratos é pavoroso, diluído e com aquele aroma de perfume barato de esquina.
Porco, porco, porco e agora carpaccio de porco, com saladinha e baconzitos polvilhado com pó de tomate. Um erro crasso. A carne crua é insossa, em temperatura pouco apetecível, em corte molenga e pegajosa. O molho de mostarda vulgar não ajuda. O pareamento com um Chardonnay barricado nacional não faz sentido algum, mas sem dúvida o líquido é menos pior do que o anterior, apesar de entupido de baunilha. Um modão de corno ecoa pelo salão e ali sim sinto uma harmonização condizente com meu estado de espírito.
A massa recheada de porco, cozida num caldo de porco enriquecido com camarão, vem na sequência. O prato tem sabor, graças ao líquido picante e bem reduzido, apesar da textura da pasta, um tanto grosseira, que deixa a desejar. O Ribolla Gialla brasileiro que o acompanha traz surpresas agradáveis: corpo equilibrado, notas herbáceas e um toque apimentado que combinam com a comida. Satisfatório. Talvez o melhor prato do menu.
O prato principal chega numa composição de pequenas porções de qualidade errática. O feijão é brilhante, profundamente bem temperado. As linguicinhas fritas, igualmente saborosas, ficam ainda melhores com um toque de limão e pimenta da casa. O vinagrete de banana traz dulçor e acidez na medida certa. Mas, como um plot twist indesejado, surge uma couve sem vida e, pior, uma berinjela à parmegiana completamente deslocada, tão sem contexto quanto os falsetes de um Zezé di Camargo em final de carreira. O porco, protagonista da casa, sofre de inconsistência: um pedaço suculento e bem equilibrado, outro seco e empobrecido. A pele crocante, exaltada no discurso, chega dura a ponto de exigir um seguro odontológico. O Cabernet Franc de Pardinho é uma boa escolha, herbal e fresco. Só não combina com a banana.
A sobremesa é um déjà vu dos restaurantes paulistanos: muita textura, sabor planificado. Espuma de coco, sorvete de limão, cocada cremosa, crocante de paçoca. O vinho licoroso de São Roque, felizmente, faz bonito com suas notas oxidativas e de frutas secas. O café coado encerra bem, mas os docinhos finais são um dispensáveis: bananinha, bala, romeu e julieta com queijo farelento, corneto de morango e um baconzitos mergulhado no chocolate que pede desculpas por existir.
No veredito, a Casa do Porco se perde no peso das suas premiações. Os vinhos são ora bons, ora desastrosos. Uma roleta russa. O menu, focado em gordura e sal, é redundante e enjoativo. Faltam contrapontos estimulantes de sabor. Melhorou, mas ainda precisa de muito para voltar a ser o que era no início. 550 reais em um menu harmonizado pode soar barato para um restaurante aclamado, mas caro para uma refeição ainda carregada de torresmos e caldos ralos.
Avaliação: ruim.
3,2/10.